Literatura infantil para todos.

ARQUIVO DO BLOGUE NO FIM
v. 2 Criei o Triciclo de papel porque sentia necessidade de escrever sobre livros infantis e partilhar o que penso com outras pessoas. É um blogue não académico, não institucional, talvez (espero) mais um contributo para a divulgação da literatura infantil.

v.1 Triciclo de papel
é um blogue dedicado à literatura infantil, publicada em Portugal e Espanha, considerada na sua função didáctica e formativa e, como não podia deixar de ser, perspectivada de uma forma lúdica.
O subtítulo literatura infantil para todos remete para os nossos filhos, para os nossos alunos, mas também para nós, que muitas vezes não temos tempo para ler senão os livros supostamente dedicados a eles.

28/09/11

Literatura infantil ou artes plásticas?

Há uns tempos escrevi aqui a propósito de um livro que esse era o melhor álbum sobre arte destinado aos mais novos. É, na verdade, uma afirmação um tanto inexacta. Para mim, é um livro sobre história de arte, um livro que se centra no tipo de pintura caracterizadora de alguns artistas consagrados, uma espécie de "pintar à maneira de" e que me parece que funciona muito bem como uma primeira aproximação ao mundo da arte, embora a conclusão final do autor redunde em defesa do estilo próprio. Trata-se de um livro onde não se teoriza, optando-se por uma abordagem mais dinâmica e cativante tendo em conta os destinatários. Desenvolve-se simplesmente uma história a partir de um mote: um cão que não está contente com a sua imagem.
Acontece que desde há uns tempos para cá o consciente foi tomando o lugar do inconsciente e alguns dos critérios que eu seguia intuitivamente ao escolher livros para os meus filhos foram tornando-se cada vez mais claros.
O primeiro tem a ver com a "descoberta da ilustração". Existem no mercado álbuns infantis que são verdadeiras obras de arte... de ARTE PLÁSTICA (desde a pintura ao digital passando pelas técnicas de impressão, fotografia...). Desta perspectiva, e fazendo a ligação com o início do texto, encontramos autores não tão consagrados, mas que vivem e reproduzem um tempo que é o nosso, sendo possivelmente até mais significativos para as crianças. Por outro lado, tal como em relação à literatura, é indiscutível a importância do contacto precoce com as artes plásticas.
Assim, pouco a pouco foi-se tornando mais óbvio o grande equívoco que envolve o conceito de literatura infantil e que tem, precisamente a ver com o facto de tendencialmente associarmos o suporte livro (conjunto de folhas encadernadas) a literatura. Neste sentido, arriscaria a dizer que no que toca à grandíssima maioria de álbuns até aos seis anos (até à aprendizagem da leitura) não estamos perante exemplos de literatura, e sim de artes plásticas.

27/09/11

Livros simplesmente

Uma das grandes contradições do nosso tempo tem a ver com o consumo. 
Por um lado, o discurso político, na sua generalidade, apela de uma maneira aflitivamente suplicante ao consumo argumentando que sem consumo não há emprego, sem emprego não há comércio, sem comércio a economia definha deixando de poder suportar o Estado Social, ou o que vai restando dele.
Por outro lado, o consumo em excesso é igualmente confrangedor: as toneladas de alimentos que todos os dias vão parar ao contentor do lixo, a fixação doentia pela moda, pelas marcas, pelos gadgets...

Eu assisti à abertura do Continente de Alfragide, do Centro Comercial das Amoreiras, da Zara da Guerra Junqueiro e por aí fora, mas não foi por acaso que a mãe estrangeira, de um país onde há muito havia tudo o que começava a aparecer em Portugal, conseguia ser, e transmitiu isso aos filhos, bastante comedida perante a onda desenfreada de consumo e ostentação que tomava o país.

Foi com este espírito que quando o F. nasceu só lhe dávamos os brinquedos que considerávamos oportunos, tendo em conta a qualidade e, como não podia deixar de ser, a quantidade. 
Oferecíamos-lhe os brinquedos aos poucos, à medida das suas necessidades. Os presentes de fora eram guardados e estrategicamente disponibilizados procurando estimulá-lo de forma equilibrada. Não se pode dizer que tenha tido poucos brinquedos, mas também não foi um bebé inundado de brinquedos.

No que se refere aos livros seguíamos a mesma lógica. Até que nasceu a L.. Nessa altura já havia alguns livros infantis em casa e quando a L. começou a pegar em livros não mais parou. Entretanto eu própria tinha ficado seduzida pelo universo dos livros infantis. Basicamente tudo se processou assim: primeiro comprava livro a livro consoante os temas que mais interessavam a F.. Depois fui descobrindo a ilustração e as inúmeras possibilidades que revelava junto de F.. Mais tarde, tal como fazia com os brinquedos, fui guardando os livros evitando dar-lhos todos de uma só vez, mas chegou uma altura em que já tinha muitos guardados e os livros não são para estar guardados. Isso aconteceu mais ou menos quando a L. começou a prestar atenção aos livros. Parecia que a necessidade dos dois por livros aumentava, mais na L. até, o que me levou a concluir que a regra da restrição não se aplica aos livros. 

Hoje a casa está inundada de livros infantis.

28/06/11

Depressa, devagar


Depressa, devagar, Planeta Tangerina, 2009
22,5 cm. x 20 cm.         28 págs.


Texto: Isabel Minhós Martins
Ilustrações: Bernardo Carvalho


Durante o dia uma criança depara com inúmeras situações contraditórias. Não se trata de situações extraordinárias mas sim de cenas comuns do dia-a-dia.


"Depressa, as torradas ficam frias.
Devagar, não entornaste o leite por um triz."


Como se sentirá uma criança a quem é dirigida tamanha quantidade de orientações contraditórias. Com perplexidade? Com naturalidade?


"Devagar, trabalha com mais doçura.
Mas depressa para ainda secar a pintura."


Não são muito diferentes das incoerências que vamos encontrando ao longo da vida adulta e que alguns encaram com perturbação, outros com fruição.
Depressa, devagar evidencia um olhar integrador sobre o mundo e implicitamente opõe-se
a um outro, impositivo, onde tudo tende a ser lógico e ordenado.
Não é por acaso que, logicamente, o verdadeiro protagonista deste livro é o tempo: o tempo que "grita palavras de ordem", o tempo que causa perplexidade, naturalidade, perturbação, fruição...
Num tempo em que o que se ensina e o que se valoriza é a ser o mais racional possível, este livro surge como um regresso às origens, à consciência do tempo, à vida como ela é.

27/06/11

O primeiro passeio do Bolinha


O primeiro passeio do Bolinha, Editorial Presença, 3ª ed., 1996   [1981]
21,5 cm. x 22 cm.           22 págs.


Texto e ilustrações: Eric Hill


No seu primeiro passeio Bolinha passa para o lado de lá da cerca, espreita na casota e no galinheiro, vai atrás de um barulho esquisito e do cheiro das flores, procura de comer e de beber e finalmente regressa para ao pé da mãe. Não volta sozinho. Volta com a vivência de um conjunto de experiências que vai ter de assimilar a pouco e pouco.






Este é um dos nossos livros de janelas que imperceptivelmente vão caindo no limbo do esquecimento, mas é um daqueles que vão ficar, encaixado em algum ponto da casa à espera que alguém volte a insuflá-lo de vida: talvez só os netos... ou os mesmos filhos... eu próprio?


O Miguel, que ainda acredita no Pai Natal, Reis Magos, rato dos dentes, etc., etc. perguntava-me no outro dia se o Sponge Bob também existia e eu respondi-lhe que sim. Mais tarde, ao jantar, contou ao amigo e este:
—E o Miguel já o foi ver?
—Já. Na Ilha dos Sonhos...
—(Atabalhoadamente) E o Homem-Aranha também existe? Eu também o quero ir ver!
—Quando vocês aprenderem a ler poderão chegar sozinhos à Ilha dos Sonhos.


É assustador saber que há indicadores que mostram que as crianças lêem cada vez mais mas que essa dinâmica se vai perdendo na adolescência e juventude para, em alguns casos, ficar completamente neutralizada na idade adulta.

24/06/11

Nadadorzinho


Nadadorzinho, Kalandraka, 2ª ed., Maio de 2010  [1963]
28,3 cm. x 22,4 cm.            32 págs.


Texto e ilustrações: Leo Lionni


Nadadorzinho era um peixe diferente. Era preto no meio de um cardume de peixes vermelhos e nadava mais depressa do que os seus irmãos e irmãs. Um dia, um atum esfomeado engoliu todo o cardume excepto Nadadorzinho. Agora, sentia-se assustado e triste mas não lhe restava outra solução senão ir nadando, nadando... À medida que ia descobrindo a beleza que o rodeava, ganhava forças. Eis quando avistou um cardume de peixes vermelhos, semelhantes aos irmãos que perdera. No entanto, estes viviam temerosos dos terríveis predadores dos mares. Depois de muito pensar, Nadadorzinho teve uma ideia. Juntou todos os peixinhos formando um peixe de enormes proporções e ele como olho-que-guia e nadaram em sintonia conseguindo afugentar o peixe grande.


O ser diferente que se distingue dos outros pela sua forma física —que lhe permite sobreviver— mas também porque pensa —o que lhe permite viver;
a contemplação da beleza com que são recompensados todos os que não se rendem ao infortúnio —uma contemplação que não é resultado de uma busca desenfreada;
a acertada percepção do perigo, do "peixe-grande-que-nos-vai-engolir", que é fundamental para a nossa sobrevivência;
a união de esforços em torno de princípios, ideias, objectivos...
são algumas das questões que me sugere este texto, um Clássico, publicado em 1963 e sempre tão actual.


Um belo livro de Leo Lionni que nos revela uma história simples. Esta sim, uma verdadeira história simples.